Ele pode ressaltar um aspecto da obra, fornecer elementos fundamentais à sua leitura ou apenas descrevê-la objetivamente. Se em alguns casos o título do trabalho cumpre uma função, digamos, mais burocrática, em outros é capaz de apontar relações e sugerir possibilidades de aproximação. Lugares Moles – nome dado à série de vídeos e fotografias na qual Jorge Menna Barreto vem trabalhando há pouco mais de um ano – é um desses títulos sugestivos. Em primeiro lugar, pela imagem que a expressão evoca. Em segundo, porque é formado por palavras caras ao vocabulário do artista. É de lugares cada vez mais moles que suas obras se constituem.
Embora marcada pela diversidade de temas, linguagens e suportes, a trajetória de Jorge revela um procedimento comum. Suas obras respondem a contextos. São concebidas a partir de um lugar ou situação específica, cujas propriedades vêm se tornando cada vez mais vaporosas. Moles, por assim dizer. Em um de seus primeiros trabalhos, o artista tomou como ponto de partida o espaço expositivo. Construiu formas que se relacionavam com as dimensões físicas da sala. Logo, a noção de lugar foi incorporando outras camadas. Na 7.ª Bienal de Havana, por exemplo, foi o “espaço disperso” da exposição – o fato de o público ter que circular entre vários locais para visitar a mostra – que o inspirou. Seu trabalho consistiu na distribuição de sacolinhas de papel carimbadas com o peso total dos visitantes, recalculado a cada entrega.
Em Lugares Moles, a idéia de lugar também exerce um papel fundamental, mas a operação poética em jogo aqui já não é mais a mesma. Em vez de responder a um contexto, o trabalho parte da criação de um. O artista seleciona bonecos em miniatura – como aqueles utilizados em maquetes – e oferece a eles um cenário inesperado: tabletes de manteiga. A composição frustra uma certa “expectativa de lugar” trazida pelos personagens, que carregam consigo o que se pode chamar de “contexto identitário”. O homem de terno e gravata, por exemplo, sugere uma cidade como cenário. Já os sujeitos sentados no banco, uma praça ou estação de trem.
É desse desencaixe entre os ocupantes e a paisagem ocupada que surgem as atmosferas absurdas e sedutoras de Lugares Moles. Exageradamente plásticas, elas tiram todo o proveito do material. As fotos revelam um cenário revolto, retorcido, submetido às mãos do artista. Já os vídeos registram o desmanche progressivo da arquitetura de manteiga. Aquecida por uma lâmpada, a massa amarela engole os personagens pouco a pouco, numa narrativa cuja tensão é potencializada pela lentidão da cena. Tudo acontece muito devagar. Tanto que à primeira vista temos a impressão de estarmos diante de um still. É preciso desviar os olhos da imagem para, dali a pouco, numa segunda mirada, perceber as sutis transformações protagonizadas pela manteiga. Isto porque não são os personagens que atuam em Lugares Moles, mas o lugar. É ele quem tensiona a cena. Além do tempo, é claro. Não por acaso os vídeos da série são intitulados apenas com a sua duração em minutos. Mais uma vez, a estratégia de nomeação ressalta um aspecto importante da obra: o papel do tempo na (de)composição do trabalho. Outro título que pode funcionar como um belo ponto de partida para se aproximar de Lugares Moles.
* Texto originalmente publicado em catálogo da Temporada de Projetos do Paço das Artes 2007-2008, em novembro de 2007.
Embora marcada pela diversidade de temas, linguagens e suportes, a trajetória de Jorge revela um procedimento comum. Suas obras respondem a contextos. São concebidas a partir de um lugar ou situação específica, cujas propriedades vêm se tornando cada vez mais vaporosas. Moles, por assim dizer. Em um de seus primeiros trabalhos, o artista tomou como ponto de partida o espaço expositivo. Construiu formas que se relacionavam com as dimensões físicas da sala. Logo, a noção de lugar foi incorporando outras camadas. Na 7.ª Bienal de Havana, por exemplo, foi o “espaço disperso” da exposição – o fato de o público ter que circular entre vários locais para visitar a mostra – que o inspirou. Seu trabalho consistiu na distribuição de sacolinhas de papel carimbadas com o peso total dos visitantes, recalculado a cada entrega.
Em Lugares Moles, a idéia de lugar também exerce um papel fundamental, mas a operação poética em jogo aqui já não é mais a mesma. Em vez de responder a um contexto, o trabalho parte da criação de um. O artista seleciona bonecos em miniatura – como aqueles utilizados em maquetes – e oferece a eles um cenário inesperado: tabletes de manteiga. A composição frustra uma certa “expectativa de lugar” trazida pelos personagens, que carregam consigo o que se pode chamar de “contexto identitário”. O homem de terno e gravata, por exemplo, sugere uma cidade como cenário. Já os sujeitos sentados no banco, uma praça ou estação de trem.
É desse desencaixe entre os ocupantes e a paisagem ocupada que surgem as atmosferas absurdas e sedutoras de Lugares Moles. Exageradamente plásticas, elas tiram todo o proveito do material. As fotos revelam um cenário revolto, retorcido, submetido às mãos do artista. Já os vídeos registram o desmanche progressivo da arquitetura de manteiga. Aquecida por uma lâmpada, a massa amarela engole os personagens pouco a pouco, numa narrativa cuja tensão é potencializada pela lentidão da cena. Tudo acontece muito devagar. Tanto que à primeira vista temos a impressão de estarmos diante de um still. É preciso desviar os olhos da imagem para, dali a pouco, numa segunda mirada, perceber as sutis transformações protagonizadas pela manteiga. Isto porque não são os personagens que atuam em Lugares Moles, mas o lugar. É ele quem tensiona a cena. Além do tempo, é claro. Não por acaso os vídeos da série são intitulados apenas com a sua duração em minutos. Mais uma vez, a estratégia de nomeação ressalta um aspecto importante da obra: o papel do tempo na (de)composição do trabalho. Outro título que pode funcionar como um belo ponto de partida para se aproximar de Lugares Moles.
* Texto originalmente publicado em catálogo da Temporada de Projetos do Paço das Artes 2007-2008, em novembro de 2007.
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