Entre o turismo e a vertigem



Machu Picchu, Torre Eiffel, Coliseu, Cristo Redentor, Taj Mahal. Se você já esteve em Cusco/Peru, Paris, Roma, Rio de Janeiro ou Agra/Índia, é bastante provável que traga entre suas fotos imagens muito parecidas – senão constrangedoramente iguais – às de tantos outros turistas que também desbravaram esses lugares. Em atrações como essas, é comum os guias, vendedores ou habitantes locais indicarem os pontos ideais para se sacar uma boa foto. Ou a melhor delas: aquela em que o viajante posiciona-se sorridente em frente ao monumento conquistado, de modo que ambos, viajante e monumento, apareçam nitidamente na imagem. Funciona como uma espécie de certificado, souvenir ou insígnia, um comprovante afetivo de que o visitante, de fato, esteve no local.

As colagens da Série Turista, de Michel Zózimo, partem desse tipo de imagem para criar composições onde a familiaridade – ou o rápido reconhecimento, fundamental para que o certificado fotográfico tenha algum valor – se reveste de estranhamento. Ao mesmo tempo em que o personagem aparece quase que displicentemente justaposto às diferentes paisagens, sem qualquer esforço que procure disfarçar as evidentes montagens – como naquelas fotografias realizadas em estúdios com cenários paradisíacos ao fundo –, seu posicionamento sugere uma fusão – tão desconcertante quanto monstruosa – com os locais retratados. Em lugar da cabeça, vemos os cumes das formações rochosas visitadas.

Impassível diante das eloquentes paisagens, o sujeito de terno e gravata se vê impermeável aos destinos por onde passa. As mãos seguem no bolso, como em sinal de desinteresse, as vestes não se adaptam aos cenários fotografados – antes, remetem a um contexto formal e cerimonioso – e mesmo o ambiente ao seu redor, um gramado desbotado, é trazido com ele, como que a reafirmar a ideia de que o deslocamento nem sempre se traduz em envolvimento. Não à toa, sua postura permanece a mesma em todas as imagens. E sua cabeça segue em outro lugar.

Tal qual o viajante anônimo de Michel Zózimo, muitos parecem querer encontrar, em suas jornadas, apenas aquilo que já esperavam e que, de algum modo, já conheciam: as atrações descritas nos guias, as iguarias sugeridas por amigos, as paisagens que povoavam seu imaginário e que inspiraram a expedição. Nada que represente qualquer risco – ou questionamento sobre quem se é e o lugar onde se quer estar. É como se se tratasse de uma confirmação. Daí que as fotos da viagem parecem estar prontas antes mesmo da partida. Tudo é uma questão de encaixe. Se o turista é atraído pelo exótico, pelo diferente, pelo “outro” oferecido como um estranho a descobrir, também é movido pela possibilidade de se aventurar por aquilo que não conhece de maneira segura, controlada, premeditada.

Ao subverter a trivialidade que costuma caracterizar as documentações turísticas, as produções realizadas por Michel para a Revista Lugares apontam para a fragilidade desses deslocamentos em que as paisagens parecem adquirir o estatuto de meros cenários, servindo mais ao registro ou à confirmação que à experiência. De tom surrealista, os trabalhos apropriam-se de imagens retiradas de enciclopédias antigas para criar composições em que o previsível dá lugar à vertigem daquilo que poderíamos chamar de verdadeira viagem.

* Texto publicado na Revista Lugares da Fundação Iberê Camargo, em maio de 2013.
** Série Turista [Alpes Suíços], 2013.

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