Angela Detanico e Rafael Lain | 8a Bienal do Mercosul


Angela Detanico e Rafael Lain utilizam o design e a tipografia para desenvolver sistemas de escrita – ou de compreensão e organização do mundo. A arbitrariedade de mecanismos de representação como alfabetos e cartografias e o fato de eles sempre envolverem uma interpretação da realidade estão na base de suas criações. Exemplo disso é O mundo justificado... (2004), em que os artistas redesenham o mapa-múndi com linhas gráficas diagramadas tal qual um texto: justificadas, alinhadas à esquerda, centralizadas e alinhadas à direita. Ao sugerir diferentes conformações geopolíticas, o trabalho evidencia o caráter arbitrário desse sistema de notação, que não apenas representa o mundo, mas o recria, definindo o que é centro, periferia, norte, sul, etc. Uma das obras mais conhecidas da dupla é a fonte Utopia (2001-2003), que combina elementos da arquitetura moderna de Oscar Niemeyer – as letras maiúsculas – a exemplos da ocupação informal das cidades brasileiras – as letras minúsculas. A tipografia cria paisagens urbanas caóticas, que apontam não só para a fragilidade do projeto moderno, mas para as profundas diferenças e tensões que compõem um cenário em constante reconfiguração.

Em Sol médio (Cruzeiro do Sul) (2011), os artistas criam um sistema de representação de um dos símbolos mais conhecidos do hemisfério meridional: a constelação que permite identificar o polo sul celeste. Quatro objetos em forma de pirâmide distribuem-se no espaço, seguindo o desenho das estrelas que compõem o Cruzeiro do Sul. As bases são orientadas para o centro da cruz, fazendo face, cada uma, a um ponto cardeal. Por meio de um jogo de animações, vemos a incidência do sol sobre a paisagem estelar e os efeitos de luz e sombra gerados ao longo do dia, de acordo com a posição de cada objeto. Presente nas bandeiras do Brasil, Austrália, Nova Zelândia, Samoa e Papua-Nova Guiné, o Cruzeiro do Sul é um símbolo compartilhado por povos e nações que, afora a localização geográfica, talvez tenham em comum apenas o passado de “descobertas” por conquistadores do norte, para os quais a constelação foi um instrumento fundamental - mas que de resto, promoveram colonizações absolutamente distintas. Principal ferramenta de orientação ao sul do Equador, ele também integra a bandeira do Mercosul, simbolizando o projeto de integração regional e a ideia de inversão geopolítica – ou de ter por norte o sul.

* Texto publicado no catálogo da 8a Bienal do Mercosul, realizada em Porto Alegre, em 2011.
** Sol médio (Cruzeiro do Sul), 2011

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