Ficções remotas



A ideia de impossibilidade está presente em muitos trabalhos de Glaucis de Morais: na imagem que revela uma ponte entre dois abismos, nas fotografias que tentam capturar o voo de um pássaro ou a passagem de um avião, na tentativa de manter de pé um castelo de cartas, na série que retrata o desvanecimento do corpo em meio à escuridão. Operações sutis – delicadas na forma, mas agudas nas reflexões que evocam – compõem a obra da artista, que se vale do vídeo à fotografia, passando pelo desenho e pela instalação. Os modos de habitar um lugar, seja ele a cidade ou o espaço íntimo da casa, são um tema frequente em seus trabalhos. Caso da intervenção em que dispõe o aviso «reservado» em parques e praças de Paris e Porto Alegre, embaralhando as noções de público e privado e sugerindo outra impossibilidade.


A noção também é cara ao projeto desenvolvido para a vitrine da Casa M. Em Lugar remoto, Glaucis constrói um retrato de Porto Alegre a partir de olhares distantes e fragmentados: depoimentos de seis estrangeiros que nunca estiveram na cidade e só a conhecem por meio de um cartão postal. A fotografia de um parque, de um viaduto e de um monumento são algumas das pistas que inspiram essas ficções remotas, como a de que a capital teria sido colonizada por gauleses. “Ela me mostrou uma imagem e rapidamente reconheci um gaulês”, diz um dos entrevistados, referindo-se à fotografia do Laçador. Mais que nos falar de Porto Alegre, as leituras e percursos imaginários coletados pela artista atestam a impossibilidade de se representar um lugar – ou ao menos, de se construir uma imagem única, que dê conta das infinitas histórias e experiências que o atravessam e que ele pode propiciar. Próxima ou distante, conhecida ou não, em alguma medida toda cidade será sempre uma ficção particular.

* Texto publicado no periódico da Casa M / 8a Bienal do Mercosul de outubro-novembro, dedicado à sexta vitrine do projeto, de autoria de Glaucis de Morais.

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