Sobre desencaixes



A aproximação de realidades aparentemente inconciliáveis está na base dos trabalhos desenvolvidos por João Genaro. Sempre com uma boa dose de humor, o artista se vale de um procedimento caro ao Surrealismo para criar objetos e situações paradoxais, que muitas vezes partem de comentários à história da arte. É o caso do Parangolé Simoniano (2009), que mescla um traje típico gaúcho, o poncho, a uma obra icônica da arte brasileira, os Parangolés de Hélio Oiticica, capas coloridas feitas para serem experimentadas pelo público. Usada pelo artista em performances não anunciadas, a peça homenageia o escritor regionalista Simões Lopes Neto, natural de Pelotas, aproximando referências artísticas de naturezas distintas. Outros exemplos são Fat Chair (2010), cadeira com uma estrutura de espuma em seu assento que remete à famosa obra de Joseph Beuys, e Homenagem a Torres García (2007), composição construtivista realizada com peças de Lego. A sugestão de interação é outro elemento recorrente na obra de João Genaro, como no machado protegido por uma caixa de vidro onde se lê “em caso de crime, castigue o vidro” e no saco de boxe recheado com 50 kg de barro que ostenta a inscrição “sove”.

Procedimentos semelhantes estão presentes no trabalho desenvolvido para a Casa M, em que o artista cria uma espécie de quarto de banho na vitrine. Protegida por um biombo feito com cera de abelha, uma banheira repleta de mel chama a atenção dos passantes. A teatralidade, o vazio e o desencaixe da cena inspiram narrativas, como se acusassem uma história em suspenso. A sensação de que algo está por acontecer não deixa de evocar a performance que dá origem ao trabalho: um banho de mel na vitrine. Entre o ritual e o trivial, a ação desconcerta o lugar. Aproxima intimidade e exposição, acentuando a própria condição de um espaço que protege ao mesmo tempo em que exibe, separa ao mesmo tempo em que conecta. Um doce aroma de mel toma conta da Casa M e, a seu modo, produz outro desencaixe e evoca novas narrativas.

* Texto publicado no periódico da Casa M / 8a Bienal do Mercosul de novembro-dezembro, dedicado à sétima e última vitrine do projeto, de autoria de João Genaro.

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