Eterna, onisciente, onipresente, desbocada, irreverente, fogosa, negra e dona de uma sex-shop. Assim é a personagem Deus de Rafael Campos Rocha. Criadora do universo e da vida, amante do sexo, da cerveja e do futebol, amiga do Diabo e dada às frivolidades do mundo, ela protagoniza as histórias em quadrinhos criadas pelo artista. «Fiz um deus que fosse o oposto simétrico do deus das religiões monoteístas adotadas pelo homem moderno ocidental», explica o quadrinista, que em 2012 lançou uma graphic novel dedicada às aventuras de sua toda-poderosa (Deus, essa gostosa, Companhia das Letras).
De fato, a divindade concebida por Rafael não guarda qualquer semelhança com aquele senhor circunspecto, austero e reservado, de barba longa e vestido de branco, que povoa o imaginário religioso. Em uma das cenas da novela, Deus bebe cerveja e come pastel em um boteco na companhia de Satã. Dentre outros temas, os dois discutem pintura e futebol e quasem se matam de rir diante da ideia «humana» de que a arte seria superior ao popular esporte.
Pois na história concebida especialmente para a Revista Lugares, a arte volta à pauta. Dessa vez, Deus flagra o artista fazendo o que chama de «arte de vanguarda» e o condena à danação eterna. Como em outras criações do autor (vale lembrar o super-herói Artista Contemporâneo, criado para a revista Tatuí, entre outras), o humor fino e o tom de deboche voltam-se ao campo da arte e seus «seguidores», aí incluído o próprio Rafael.
Uma certa pretensão a ser diferente, novo, arrojado, a conquistar chancela histórica e a conversar apenas com alguns poucos iniciados são algumas das supostas aspirações artísticas satirizadas pela breve história. «O sentimento de vanguarda ainda é muito forte entre os artistas», comenta o quadrinista, que se diz «de saco cheio de ver antiartista com vinte individuais no currículo».
* Texto publicado na Revista Lugares da Fundação Iberê Camargo, em fevereiro de 2013.
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