Em que medida os objetos são capazes de constituir lugares? Que memórias e significados carregam? O que eles têm a dizer sobre nós? E em que medida podemos tomar lugares como objetos? Perguntas como essas estão na base das pesquisas desenvolvidas por Helene Sacco, que desde 2007 vem investigando a noção de objeto-lugar.
A primeira vez que atentou para a ideia foi observando as casas transportadas por carretas e caminhões em Santa Catarina, onde muitas famílias têm o estranho hábito de levarem consigo as suas moradas – e não apenas os pertences contidos nelas – ao se mudarem de um lugar para outro. Sua Coleção de casas moventes (2007-2013), série de fotografias que retrata o curioso costume, inspirou a criação de uma casa movente propriamente dita, instalação que recria uma morada condensada em pouco mais de 3 m².
Primeiro objeto-lugar construído pela artista, a habitação sobre rodas continha quarto, cozinha, sala e banheiro. Nela, uma pequena escrivaninha fazia as vezes de pia, enquanto uma cômoda também funcionava como horta e sofá. A cada nova inserção, em locais públicos e ou em espaços institucionais, a Casa movente (2009-2011) buscava instaurar um lugar de encontro e de partilha entre os passantes, vizinhos e visitantes. Transformada em gabinete poético, ao abrigar as investigações de Helene em torno dos locais onde a morada se instalava, a obra está na origem do gabinete de estudos criado para a vitrine da Casa M, em 2011, como parte das atividades da 8a Bienal do Mercosul.
Dessa vez, a artista transformou uma vitrine de pouco mais de 1 m² em uma saleta onde podia ler, desenhar e escrever. Ao longo das três semanas de exposição, parte desse ambiente se desprendia da vitrine para ocupar a rua. Munida de sua mala-escrivaninha – uma escrivaninha que literalmente se transformava em mala –, a artista percorria a vizinhança do espaço, conversando com os passantes, trocando ideias sobre o lugar e desenhando os arredores da morada.
Pois o mesmo móvel utilizado por Helene para dar vida a esse objeto-lugar também protagonizou outro trabalho recente da artista, a Objetoteca (2012). Espécie de escritório dedicado a inventariar e classificar objetos de acordo com sua forma e função, todos os seus elementos podiam ser acondicionados dentro de um baú-escrivaninha. Nele, eram disponibilizadas fichas de catalogação utilizadas pelo público para ampliar o inventário, originalmente contendo 96 objetos.
Na série de desenhos produzida para a Revista Lugares, a escrivaninha é mais uma vez tomada como objeto-lugar por excelência. Entendida como “máquina construtora” ou como “fábrica de ideias e pensamentos”, nas palavras de Helene, ela adquire facetas as mais improváveis, como na versão em que se acopla a uma janela ou no modelo em que é atravessada por uma cama.
Cada mobiliário foi projetado pela artista a partir de referências encontradas na literatura, em textos de Georges Perec, Paul Auster e Walter Benjamin. Trata-se de narrativas e descrições de objetos que, como refere Helene, vêm carregadas da atmosfera de ambientes e têm muito a dizer sobre aqueles que os utilizam e o modo como experienciam seus lugares. Aqui, os objetos não apenas funcionam como lugares, mas os constroem, conformam, constituem. Refletem e tornam visível uma “experiência de lugar”, ao mesmo tempo em que também propõem um modo particular de habitar e conviver com os espaços que configuram.
* Texto publicado na Revista Lugares da Fundação Iberê Camargo, em abril de 2013.
** Fábrica de Objetos-Lugares, 2013. Situada na Rua Uruguai, 1248, subsolo, Setor dos Inservíveis, cep 96010-630. Nanquim sobre papel canson A4.
Nenhum comentário:
Postar um comentário