Como a vida começou na Terra? Existe vida em outros planetas? Perguntas como essas alimentam as investigações em torno de Vostok, o maior lago subglacial da Terra. Localizado na Antártida, sob uma camada de gelo de quase 4 km de espessura, o sistema aquático constituiria o último território não explorado do planeta. Descoberto por cientistas russos em 1957, o lago teria permanecido isolado do resto do mundo por possíveis 30 milhões de anos, podendo abrigar formas de vida pré-históricas ou mesmo desconhecidas em seu interior.
As perguntas em torno desse território inexplorado são inúmeras, e as possibilidades de penetrá-lo permanecem incertas. A questão é que, para coletar uma amostra do lago, o que permitiria aos cientistas estudar sua composição e desvendar como era o planeta antes da era do gelo e como a vida evoluiu desde então, é necessário muito cuidado para não causar nenhum tipo de dano, impacto ou contaminação em suas águas – aspectos que os investigadores ainda buscam solucionar.
Pois é essa paisagem inacessível, espécie de cápsula do tempo, que inspira o mais recente projeto de Letícia Ramos. Habituada a construir aparatos fotográficos voltados à captação – ou antes, à investigação e recriação – de determinadas paisagens, em trabalhos como Estação radiobase fotográfica -ERBF (2007) e Bitácora (2011) a artista desenvolveu câmeras orientadas ao registro de lugares específicos. No primeiro caso, uma pinhole cinematográfica com 24 perfurações produziu tomadas panorâmicas da cidade de São Paulo, mesclando diferentes pontos de vista de uma mesma paisagem. Já no segundo, uma câmera baseada na tecnologia polaroid e na estrutura dos primeiros submarinos de madeira reinventou a paisagem da região ártica de Svalbard, tomando como referência a Escala de Beaufort e suas descrições do efeito dos ventos sobre a terra e o mar.
Dessa vez, a busca por uma certa paisagem – ou por uma dada versão dessa paisagem, o território subglacial da Antártida – também orientou o Projeto Vostok (2012-2013), que resultará em um disco, um livro e um filme. Mas ao invés de construir uma câmera para captar as imagens que de algum modo antevia, a artista desenvolveu um conjunto de cenários composto de maquetes subaquáticas que dão lugar a uma ficção em torno do lago. São fragmentos desse ambiente cenográfico, fotografias que se apresentam tão misteriosas e intrigantes quanto o território ao qual fazem referência e o suposto batiscafo destinado a explorá-lo, que Letícia Ramos apresenta na Revista Lugares.
Não fossem as legendas, talvez tomássemos as imagens como composições abstratas. São suas breves descrições que, tal qual a empreitada científica na origem do trabalho, nos ajudam a desvelar o que vemos. Ou a compartilhar com a artista esses exercícios de exploração e descoberta de um lugar – que, como nos lembram suas imagens, implicam sempre a reinvenção desse lugar.
E aí está um dado importante da poética de Letícia. Suas paisagens não são apenas fruto de uma aventura investigativa – pesquisas envolvendo máquinários, teorias científicas, exploradores, perguntas, expedições. Elas constituem-se a partir desse percurso e das histórias que o compõem. Têm em seu processo investigativo – e nos contextos que o situam – um elemento fundamental na produção de sentido.
Não se trata de contar histórias, mas de remeter, a todo tempo, a um universo de histórias. Ou antes, de indagações. É nesse embate entre aquilo que se quer saber e o que se quer imaginar, entre aquilo que se quer conhecer e o que se quer inventar, que se localizam as paisagens da artista.
* Texto publicado na Revista Lugares da Fundação Iberê Camargo, em junho de 2013.
** VOSTOK, fragmentos de cenário, Submersão, 2013.
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