Tão perto, tão longe: sobre a Frieze London e algumas de nossas memórias fraturadas



Às vezes, viajamos longe para nos reaproximar do que está perto. Esse parece ter sido o caso na minha primeira experiência de Frieze London + Frieze Masters, duas das mais prestigiadas feiras de arte do mundo, que acontecem a cada outubro na capital inglesa. Um dos destaques da última edição, realizada entre 17 e 20 de outubro, foi a participação de um número recorde de galerias brasileiras. Foram 11 no total. De casas estabelecidas, como Luisa Strina, Fortes Vilaça, Nara Roesler, Gentil Carioca e Vermelho, a galerias jovens, a exemplo da Jaqueline Martins, todas auspiciadas pelo Projeto Latitude, voltado à promoção internacional da arte contemporânea produzida no Brasil.

Uma das gratas surpresas da Frieze London foi reencontrar a obra de Genilson Soares, artista de João Pessoa, radicado em São Paulo desde os anos 1960. Trazido à feira pela Galeria Jaqueline Martins, ele apresentou a instalação Uma prancha encostada na parede, que integrou o trabalho Pontos de Vista, realizado pelo Grupo3 – do qual também fizeram parte Francisco Iñarra e Lydia Okumura – para a XII Bienal de São Paulo, em 1973. Na ocasião, o trio ocupou o local destinado à sua participação com produções efêmeras e individuais, que indagavam a percepção do espaço por meio de jogos de ilusão de ótica desenvolvidos a partir do contexto arquitetônico. Trata-se de operações absolutamente experimentais, em diálogo com o que, mais tarde, passou a ser conhecido como site specific.

Para além da inequívoca atualidade da obra de Genilson, evidenciada em meio ao caleidoscópio de produções que compõem a Frieze, sua presença na feira também aponta para questões cruciais que ainda necessitam de ser enfrentadas no cenário brasileiro: Por que certas produções dos anos 1960 e 1970, fundamentais para entender os caminhos da arte contemporânea no País, foram praticamente esquecidas a partir da década de 1980 e apenas recentemente revisitadas? Que imaginários da arte – para além de historiografias – temos produzido e em nome de quê? A hipótese de uma rendição completa à lógica de mercado, que teria ditado o chamado “retorno à pintura” nos anos 1980, embora produtiva, não é suficientemente nuançada para dar conta da complexidade das questões.

De todo modo, é interessante pensar o quanto produções como a do grupo Arte/Ação, do qual Genilson também fez parte, e de outros coletivos dos anos 1970, igualmente negligenciados, como Manga Rosa, Viajou sem Passaporte e Nervo Óptico, apontavam para uma crítica à instituição artística ou, antes, à ideia de arte como instituição, reivindicando outras possibilidades de inserção da produção na sociedade. Ironicamente, em um País com tantas precariedades institucionais e de políticas públicas para as artes e a cultura restam iniciativas como a da Galeria Jaqueline Martins para a recuperação de certa memória fraturada, não apenas em âmbito nacional, mas também internacional, como demonstra sua participação na Frieze. Que esse seja apenas um – muito bem-vindo – começo!

* Texto publicado na revista ARTE!Brasileiros, número 22, edição de novembro-dezembro de 2013.
** Uma prancha encostada na parede, Genilson Soares, 1973/2013.

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