Dois pontos


Sinal de pontuação que anuncia a complementação ou o desdobramento de uma ideia, abre espaço para a fala de outro interlocutor.

A história recente da arte está repleta de trabalhos que oferecem nada ou muito pouco para ver. Obras que existem mais como ideia, processo, ação ou experiência, que têm na linguagem seu principal material ou que trabalham com a sugestão de imagens, cabendo ao observador produzi-las, completá-las ou reorganizá-las. Dois pontos reúne produções que se valem de alguns desses procedimentos, historicamente identificados com uma produção de orientação conceitual. Trabalhos que trazem em comum imagens e experiências não realizadas, inacabadas ou em aberto, que de alguma maneira acontecem mais na imaginação do espectador do que são, de fato, dadas a ver.

É o que acontece, por exemplo, nas pinturas faladas de Lucas Levitan ou nas performances propostas por Fabio Morais. O texto e a sugestão também estão presentes na exposição portátil de Regina Melim, que apresenta projetos colocados à disposição do público para sua realização. A noção de “espaço de performação”, cara ao trabalho de Regina, também pode funcionar como chave de leitura da mostra, ao entender a performance como procedimento que se prolonga no sujeito participador. A ideia nos fala dos trabalhos de Enrico Rocha, Marina Camargo e Guilherme Teixeira. Abertos à participação do público, os três apontam para imagens e experiências improváveis, ainda que não impossíveis: completar um quebra-cabeça em branco gigante, refazer as esculturas de Brancusi no ar e andar num skate circular com outras pessoas.

Já as produções de Hélio Fervenza e Carla Zaccagnini, embora plenamente realizadas, guardam consigo a potência imaginativa das histórias que as constituem – quase como se pudessem existir apenas como imagem narrada. Por fim, Destinatário, de Vitor César, funciona como espécie de metáfora da exposição. Ao reproduzir a clássica etiqueta utilizada na identificação de presentes, ele propõe uma aproximação ou comunicação em que o enunciado é mantido em aberto, existe apenas como alusão. O que importa ali é o gesto que articula os dois interlocutores, anunciados ou mantidos em suspenso por dois pontos.

* Texto de apresentação da exposição Dois pontos, contemplada pelo Projeto Amplificadores 2010 e em cartaz no Museu Murillo La Greca, em Recife, entre 14 de setembro e 16 de outubro de 2010.

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