A arte breve de Paulo Bruscky


“Sabe-se muito sobre poucos e muito pouco sobre muitos”, afirma Cristina Freire, curadora de Ars Brevis, primeira exposição individual de Paulo Bruscky em um museu. Ela se refere às inúmeras lacunas historiográficas existentes sobre a produção contemporânea brasileira. Enquanto nomes como Helio Oiticica e Lygia Clark, ou mesmo exemplos mais recentes como Cildo Meireles, já foram tema de incontáveis teses, livros e exposições, artistas como Paulo Bruscky permanecem à margem do sistema da arte. Ou pelo menos permanecia. Para se ter uma idéia, até poucos anos, o pernambucano, um dos pioneiros da arte conceitual no Brasil, não tinha sequer um livro ou catálogo publicado sobre seu trabalho – nem era muito conhecido mesmo entre a crítica especializada. Ainda hoje, a obra de Bruscky segue praticamente ausente do mercado nacional – o que ajuda a explicar o fato de nenhuma peça de Ars Brevis pertencer a coleções particulares. Dos 150 trabalhos e projetos em exibição no Museu de Arte Contemporânea da USP, cerca de 50 fazem parte do acervo da instituição, enquanto os outros pertencem ao artista.

Pois a exposição – lançada em conjunto com o livro Paulo Bruscky – Arte, Arquivo e Utopia, escrito e organizado por Cristina Freire – traz à cena um olhar aprofundado sobre a obra do artista, fruto de um trabalho de pesquisa iniciado há dez anos. Definida por Freire como uma antologia mais do que uma retrospectiva, ao apontar momentos significativos da trajetória de Bruscky, a mostra reúne trabalhos produzidos desde a década de 1960 até os dias atuais. Dentre eles, livros de artista, registros de performances, poesias visuais, postais, objetos e trabalhos envolvendo experimentações em xerox, fotografia, fax, mimeógrafo, carimbo e materiais e máquinas do Hospital Agamenon Magalhães, em Recife, onde o artista trabalhou por muitos anos. Trata-se de um recorte generoso, que dá conta de apresentar aspectos centrais da obra de Bruscky, como a intensa experimentação de linguagem, o uso dos mais variados suportes, a assumida precariedade e efemeridade de seus trabalhos, a forte presença do humor e da ironia e a constante reafirmação da indissolubilidade entre arte e vida.

Questões como essas são trazidas à tona já nas primeiras obras em exibição, peças que ironizam os meios e técnicas do museu, bem como os agentes e dinâmicas do circuito de arte. Exemplo disso é O olhar dos críticos de arte (1978), uma pequena caixa abarrotada de armações de óculos, e Quadro a óleo (1971-2004), uma superfície de madeira com três latas de óleo de cozinha coladas junto à inscrição “Quadro a óleo, 100% puro, 100% refinado, finíssimo óleo comestível nutritivo”. Boa parte dos trabalhos presentes em Ars Brevis foi selecionada por Freire diretamente do ateliê do artista, em Recife, um imenso e labiríntico arquivo onde amontoam-se documentos, livros, fotografias, cartas e todo tipo de papéis, objetos e obras de arte. O espaço foi recentemente reconstruído na capital paulista, figurando como uma das salas especiais da 26ª Bienal de São Paulo, em 2004. Embora a participação de Bruscky no evento certamente tenha contribuído para a divulgação de seu nome, só agora o artista recebe uma exposição capaz de conferir inteligibilidade e significado histórico à sua obra.

* Texto originalmente publicado na revista EXIT Express, em abril de 2008.
** Quadro a óleo, 1971-2004.

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